sábado, 15 de novembro de 2014

ANTÔNIO SALES

Biografia (l868-1940)


Mais conhecido pelo seu romance regionalista Aves de Arribação, de 1914, Antônio Sales foi também historiador literário, poeta e idealizou e projetou, nacionalmente, a Padaria Espiritual, da qual era o seu padeiro-mor.

Somente a Padaria Espiritual (1892-1898) daria um capítulo à parte e de relevo na biografia de Antônio Sales, pois foi tal agremiação, com o seu jornal/revista O Pão (que morreu de "cachexia pecuniária"; para não fugir à regra, ontem, hoje, amanhã) um dos empreendimentos mais originais do Ceará ou do inteiro Brasil.

O poeta Antônio Sales está naquela encruzilhada problemática, estética e socialmente, que marcou o fim de um século e o começo do outro, ou seja, no Brasil, na metrópole e na província, o Romantismo ainda modelava um Parnasianismo algo original: o soneto imperava como forma eletiva, mas era o sentimento romântico que preponderava por sobre um tipo de poema que a Escola de Bilac repudiava.

Entre os poetas da época, de feição romântico-parnasiana, como Alfredo Castro, Cruz Filho, Júlio Maciel, Carlos Gondim, Otacílio de Azevedo, é curioso notar que alguns estudiosos, comumente, estavam colocando alguns deste poetas na trilha do Pré-Modernismo, como é o caso de Cruz Filho e Américo Facó, na indicação de Fernando Góes.

O certo é que a amostragem de sua poesia é o melhor caminho para o leitor aquilitar de suas reais tendências, ou não precisará disso para apreciar alguns momentos de beleza e emotividade, como no caso está o poeta Antônio Sales, que publicou a sua primeira coletânea, Versos Diversos, em 1890, e Trovas do Norte, de 1895. Poesias, de 1902, reúne poemas dos livros anteriores, com algumas modificações. Minha Terra, considerado a sua obra-prima, é de 1919. A Obra poética de Antônio Sales foi reunida em 1968, com o título referido.

Antônio Sales nasceu em Parazinho, município de Paracuru, no dia 13 de junho de 1868. Estudou as primeiras letras na terra natal e na cidade de Soure (Caucaia), mas teve que parar, para enfrentar a dura vida do comércio, em Fortaleza, quando apenas tinha 14 anos de idade. Pai cego, família pobre, o poeta passou oito anos nesse trabalho, mas em 1888 conseguiu a nomeação para um cargo da Intendência de Socorros Públicos de Fortaleza.

Entrando para a política, alcançou importantes cargos, ao lado de sua atividade jornalística e literária, o que deu na Padaria Espiritual. Irrequieto, insatisfeito, Antônio Sales parte para o Rio de janeiro (1897) e vai trabalhar no Tesouro Nacional e no Correio da Manhã, recém-fundado. Participou de rodas intelectuais no Rio e chegou a conviver com os fundadores da Academia Brasileira de Letras, mas não quis candidatar-se a uma cadeira.

Em 1920 está de volta ao Ceará, onde chega bafejado pelo sucesso do lançamento de Minha Terra. Dois anos depois contribui para a reorganização da Academia Cearense de Letras. Morava em Jacarecanga, em casa modesta, onde morre no dia 14 de novembro de 1940.

Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/biasale.html



O CEARÁ NA POESIA DE ANTÔNIO SALES

ALBA VALDEZ


A poesia de Antônio Sales desperta uma emoção de beleza, a beleza sempre nova do espírito embebido em alta visão.
Na poesia de Antônio Sales, quiçá em toda a sua obra de escritor, essa alta visão é a terra do berço, que ele enalteceu, como um criador de ritmos dominadores.
É uma forma visível da sua inspiração, da sua arte vivaz, este Ceará imprevisto, cambiante, que encontra no grande sofrimento a grande força de resistir.
Houve tempo em que o poeta viveu longe do céu cearense e, então, escreveu Minha Terra. Livro de subjetivismo adorável, de ressonâncias duradouras. Na continuidade das páginas antológicas, Ofertório é o poema inicial.
Quanta vibração de cor, de som, de luz, nessas estrofes de mármore e ouro!

OFERTÓRIO


Oh, Minha Terra!
Oh,· minha grande Mãe de areia e argila,
Que um puro céu refletes na pupila;
Mãe dolorosa, a quem às vezes
O vento e o sol declaram guerra
Durante longos, longos meses,
Ceifando vidas e fechando lares,
Matando a fauna, aniquilando a flora,
Reduzindo a desertos tumulares
As estâncias ubérrimas de outrora;

Eu, que sempre te amei e mais te amando
Quando, na terra alheia,
Com saudades de ti andei chorando
E meus prantos dispersos,
Caídos sobre a areia

Da gleba estranha, transformando em versos;
Oh! Minha Terra, de que sou apenas
Uma frágil partícula, animada
Pelo sopro de Deus, das mais pequenas,
Mas brilhando com a luz de ti jorrada,
De ti, Terra da Luz, que em luz te abrasas,
Como a Fênix da lenda,
E alfim surges das cinzas, estupenda
De força e graça; abrindo novas asas;

Oh! Minha Terra,
Que és bela como-quer que te apresentes
- Praia, sertão, planície, vale ou serra -
A despeito dos fados inclementes,
Com teus tão puros ares,
Com teus céus tão formosos,
Com teus vírides mares,
Com teus bosques umbrosos,
Com teus filhos ousados, diligentes,
Com tuas filhas belas, corajosas,
Honestas e fecundas,
Gente estóica, medrada aos sóis ardentes,
Almas cheias de arrojos e ternuras,
Destemidas, jucundas,
E no crisol da dor feitas mais puras,
- Cardos que o amor faz rebentar em rosas;

Oh, Minha Terra, cuja mente clara
Do pensamento altas belezas cria,
Na exuberância eugênica de seara
Que em messes de ouro irrompe cada dia;
Terra de Luz, não só por que te doura.
Eternamente um sol nunca obumbrado,
Mas também por que a luz imorredoura
Do teu pujante cérebro povoado
De fúlgidas idéias,
Lembra um vulcão eternamente em chama,
Que, como estrofes soltas de epopéias,
Lavas na concha azul do céu derrama,
E, em novos sóis do espírito mudadas,
Lá ficam refulgindo
Como flores do gênio transplantadas
Para o infindo vergel do tempo infindo;

Oh, Minha Terra, que do augusto templo
Da liberdade és fúlgida, coluna,·
E deste sempre o exemplo
Que teu nome de glórias afortuna;
Tu, que sabes partir grilhões infames
E castigar odiosas tiranias,
Cujos pérfidos liames
Despedaças em cóleras bravias,
Pois tens no peito um ninho de condores
Que só podem viver no livre espaço
Das eminências, onde os esplendores
Do sol, que bate os alcantis ingentes,
Lhes forjam bicos de ouro e garras de aço
Para· o extermínio das serpentes;

Oh, Minha Terra!
Ante o teu claro vulto,
Que para a prece os lábios meus descerra,
Na contrição de um culto,
Fremente de emoção, vergada a fronte,
Eu te ofereço nesta pobre taça
De uma folha colhida ao pé da fonte
- O vaso que melhor a água prateia -
Todos os quentes e saudosos prantos
Que, nos momentos de esperança escassa
De te rever, verti na terra alheia.
Recebe esta oferenda de meus cantos,
E faze deles pequenina gema
Que junte um ponto luminoso aos brilhos
Desse régio diadema
Que teus ilustres filhos
Te teceram com o louro do talento
E a oliveira do amor, para que a História,
Num reto julgamento,
Nunca te negue o teu quinhão de glória.

Fonte: Revista da Academia Cearense de Letras

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

REQUERIMENTO DE INSCRIÇÃO NO PRÊMIO KIZOMBA DE POESIA


Atendendo a pedidos estamos sugerindo um modelo. Use-o. Fique a vontade.



SOLICITAÇÃO DE INSCRIÇÃO NO PRÊMIO KIZOMBA DE POESIA


Eu,                          NOME COMPLETO                                                                , portador de RG nº   ______________Órgão Expedidor:  ________,  inscrito no CPF sob nº __________________ , residente na rua ____________________________________________, nº  ___________, Aptº _______ Bloco_________ Condomínio________________ No bairro ________________________ em __CIDADE__________ - _____UF______ ,   ______________, venho, por meio desta, solicitar a minha inscrição no PRÊMIO KIZOMBA DE POESIA .
O poema que apresento à Comissão Organizadora tem o seguinte título: _________________________________________ e segue como anexo a este e-mail e atende as especificações contidas no regulamento.
Inscrevendo-me, confirmo que li o Regulamento e que estou ciente e plenamente de acordo com todos os seus termos.
Meus contatos telefônicos para contato são: (     )___________ ou  (    ) __________________.
O e-mail no qual receberei as informações pertinentes ao concurso é:_________________________ ou _________________________________
Meu site é:____________________________________
Estou na rede social: ____________________________com o seguinte endereço _____________________

Cidade, e data
Atenciosamente

Assinatura.

sábado, 11 de outubro de 2014

11 MANEIRAS COMO MAYA ANGELOU ENSINOU A SER UMA MULHER MELHOR
The Huffington Post  | De Emma Gray
Publicado: 29/05/2014 18:29 BRT Atualizado: 29/05/2014 18:30 BRT


"Eu sou uma mulher, fenomenalmente. Mulher fenomenal, sou eu".
Maya Angeou, a adorada escritora, poeta e ativista que morreu na quarta-feira (28), era até mais "fenomenal" do que as palavras de um de seus mais famosos poemas pode expressar.

Durante 86 anos, ela escreveu sete autobiografias, foi ativa no movimento de direitos civis e trabalhou para Martin Luther King Jr., recitou um poema na inauguração presidencial de Bill Clinton em 1993, tornou-se uma professora universitária, ficou amiga da Oprah e recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade em 2011. Como o seuobituário no The New York Times
 diz, antes de sua primeira autobiografia ser lançada em 1969, Angelou já havia sido "uma dançarina, uma cantora de calipso, uma motorista, uma mãe solteira, uma editora de revista no Cairo e uma assistente administrativa em Gana".
Em homenagem à sua vida incrível, aqui estão 11 lições que todas as mulheres podem aprender com Maya Angelou:
1. No momento em que o amor bate, precisamos ser corajosos. E, de repente, percebemos que o amor exige tudo de nós, e sempre exigirá. Ainda assim, é só o amor que nos liberta." -"Touched By An Angel" (O toque de um anjo)


2. As mulheres precisam apoiar umas às outras.
"Toda vez que uma mulher se enfrenta, sem nem perceber que isso é possível, sem qualquer pretensão, ela enfrenta todas as mulheres." 


3. A chave do sucesso é simples: satisfação.
“Sucesso é gostar de si mesma, gostar do que faz, e gostar da maneira como você faz o que faz.” 





4. Faça as mudanças que quiser, mas aceite as coisas que você não pode controlar.

“Se você não gosta de alguma coisa, mude-a! Se você não pode mudá-la, mude a sua atitude. Não reclame.”
 

5. Confie em sua voz e instintos.


6. Aprenda o valor do perdão.

“Este é um dos melhores presente que você pode se dar. Perdoe todo mundo.”


7. A aparência não é tudo. Nem um pouco.
“As mulheres bonitas desejam saber de onde vem os meus segredos. Eu não sou bonita ou feita para atender ao tamanho de uma modelo fashion. Mas quando falo isso a elas, elas acham que estou mentindo. Digo, é o alcance dos meus braços, a curva do meu quadril, a largura do meu passo, a onda dos meus lábios. Eu sou uma mulher, fenomenalmente. Mulher fenomenal, sou eu.
-"Phenomenal Woman" (mulher fenomenal)


8. Arrisque "quebrar tudo".
“Eu adoro ver uma garota sair e conquistar o mundo pelas lapelas. A vida é escrota. Você tem que encarar e quebrar tudo.”
 



Maya Angelou and Gloria Steinem on their way to the March on Washington on August 27, 1983 in Washington, DC.


9. Se você está vivendo uma fase ruim, no relacionamento ou trabalho, saia dessa já.
"Seguir um caminho totalmente novo é difícil, mas não mais difícil do que permanecer em uma situação que não está de satisfazendo como mulher." 


10. Lembre-se sempre de rir.
"As mulheres devem ser resistentes, sensíveis, rir o máximo possível e viver uma vida longa." 


11. O que você fizer as pessoas sentirem é o que ficará marcado para sempre.
"Aprendi que as pessoas vão esquecer o que você disse, esquecer o que você fez, mas elas nunca vão esquecer o que você as fez sentir."



Fonte: http://www.brasilpost.com.br/2014/05/29/maya-angelou-frases_n_5412656.html

NOVO LIVRO DO ESCRITOR E POETA CUTI REPETE A CELEBRAÇÃO DA LITERATURA AFROBRASILEIRA 



TEXTO: Redação | FOTO: Divulgação | Adaptação web: David Pereira
O livro do escritor Cuti, Kizomba de vento e nuvem | FOTO: Divulgação
quis esta quizomba

que zomba

chora, ri, faz moganga


esta quizomba

acolhe ou tromba

ginga, tomba, levanta

canta, dança e sua

sua matriz


sede de antigas chagas?

amor

chafariz


quis esta quizomba

escrita a carvão e giz

para o preto no branco

ser mais feliz.


É com este poema que o escritor Cuti, um dos mais cultuados do país quando se fala de literatura negra brasileira, começa o seu mais novo livro, “Kizomba de Vento e Nuvem”. Ao todo, são 108 poemas divididos em três grandes temáticas: Preto no Branco, Afetos e Desafetos e Matutando, que robustecem a divulgação da dignidade social e racial da literatura afrobrasileira.

A sentimentalidade dos poemas transcende não somente o tema do racismo, algo que Cuti conhece e trata perfeitamente, mas também a questão da hierarquia social brasileira, que embora não tenha critérios estritamenteraciais, foi e continua sendo até hoje formada em sua base por descendentes de antigos escravos africanos. Cuti, pseudônimo de Luiz Silva, é formado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado e doutorado na mesma área pela Unicamp. Foi um dos fundadores do Quilombhoje-Literatura e um dos criadores da coleção Cadernos Negros, série na qual publicou poemas e contos em 34 dos 35 volumes lançados até 2012. Seus quatro últimos trabalhos no gênero literário colocam em várias perspectivas temas de amplo significado da literatura, envolvendo tanto a produção humana quanto as suas políticas, ideologias, discriminações de diversas ordens e outras concepções estéticas diversas.

Um destes trabalhos anteriores que tiveram forte influência neste novo projeto é “A consciência do impacto nas obras de Cruz e Sousa e de Lima Barreto”. Publicado em 2009, o livro busca a aproximação das obras de Cruz e Sousa e Lima Barreto, tão diversificadas e complexas, mas que juntas se completam. O caminho escolhido porCuti neste projeto, ao contrário da maioria das obras do gênero, procura não focar na diferença entre a experiência subjetiva do negro e do mulato no campo da criação literária,mas sim manter a união entre os gêneros. Considerando que estas obras foram publicadas à margem do campo minado pela escravidão e pelo racismo, o sujeito étnico percorre seus textos criando uma tensão com o discursoracial dominante, numa oposição direta ou indireta. Cuti seguiu seu caminho e publicou outras obras que culminaram em “Kizomba de Vento e Nuvem”, como “Literatura negro-brasileira” (2010), “Lima Barreto” (2011) e “Quem tem medo da palavra negro” (2012). Com a base literária já definida, Cuti pôde trabalhar o universo de poemas, contos e teatro, e criar a obra do “Kizomba”. O livro marca mais um ponto para o conjunto de obras que não tomam a questão racial como ponto central, mas que também não silenciam sobre os variados e complexos tópicos relativos a estas relações. O livro também aborda outras tantas facetas da vida nacional, demonstrando a importância de a poesia ir além das questões de fundo amoroso, abarcando assuntos mais espinhosos e inusitados.

A ideia, segundo o próprio autor, é iluminar o mundo nas suas mais misteriosas cavernas. A obra é um entrelace de sonoridades, ora harmônicas, ora dissonantes, e metáforas que redimensionam com acuidade nossa percepção dos sinuosos caminhos da consciência e das emoções. A pobreza, o atraso, a opressão, o racismo, a ignorância e a degradação moral estão lá, mas de forma poética e muito mais suave do que nos livros anteriores. Trata-se de uma experiência literária afrobrasileira pura, em que o autor busca aumentar a sua própria luta, em seus próprios termos e sua própria cultura. O discurso poético de Cuti vincula-se ao do sociológico Leonardo Boff, que afirma que só quem tem na pele a opressão pode liberar os oprimidos. Eé através da poesia que Luiz Silva “Cuti” assume a voz do seu povo para o conforto, a esperança, e a força vital das indagações mundanas exteriores e interiores.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

EU SOU A TERRA - CORA CORALINA



























Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.



Cora Coralina


LIMA BARRETO, JORNALISTA E ESCRITOR DO POVO BRASILEIRO

Somente após a sua morte, Lima Barreto foi reconhecido como um dos mais importantes literatos brasileiros; quando em vida, o seu jornalismo militante e de princípios éticos foi o que mais o distinguiu.

Literariamente podemos afirmar que encarnou o difícil momento de continuidade e ruptura entre um passado que morria com Machado de Assis e um futuro que pertenceria ao movimento modernista. Se por um lado foi fiel ao modelo do romance realista e naturalista, resgatando as tradições cômicas e picarescas da cultura popular, por outro, seu estilo despojado, fluente e coloquial, tanto influenciaria os modernistas, quanto antes havia enfurecido os parnasianos.

Com relação ao jornalista Lima Barreto, este não possuía apreço especial pela grande imprensa de sua época. Sua atenção era mais voltada para a imprensa alternativa. “ Gosto dos jornais obscuros, gosto dos começos, da luta entre a inteligência e a palavra, das singulariedades, das extravagâncias, da livre ou buscada invenções dos principiantes”. Coerente com esse pensar, por toda a vida foi solidário com aqueles que lutavam por causas que ficavam acima “dos mesquinhos interesses pessoais”.

Em 1907, coerentemente, editou uma pequena revista, O Floreal. Verdadeira peça jornalístico- literária, em cujas páginas surgiram publicados os primeiros capítulos de “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”. Apesar de haver existido somente até o quarto número, a revista não passou despercebida do olhar atento de José Veríssimo. Ele reportaria suas impressões na prestigiosa Revista Literária do importante Jornal do Commercio. Pela primeira vez o nome de Lima Barreto seria divulgado para o grande público.

As concepções revolucionárias a respeito dos objetivos da obra de arte e do papel do escritor engajado com a problemática nacional, podem ser exemplificadas em algumas citações transcritas de seus escritos:

“A obra de arte tem que dizer o que os simples fatos não falam. E eles estão aí para fazermos grandes obras de arte… Ela tem o destino de revelar umas almas às outras, de restabelecer entre elas uma ligação necessária ao mútuo entendimento entre os homens.”

“Os escritores brasileiros não deveriam perder tempo nem amesquinhar-se em cantar cavalheiros de fidalguia suspeita e damas de uma aristocracia de armazém por atacado.”

“A arte deve ser um instrumento de edificação moral da população. Devemos mostrar que um negro, um índio, um português ou um italiano podem-se entender e se amar, no interesse comum de todos nós.”

“A solidariedade humana, mais que nenhuma outra coisa, interessa ao destino da humanidade.”

Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, em 1881. Era filho de um tipógrafo, negro liberto, e sua mãe era professora primária, também descendente de escravos.

Concluiu o curso secundário na Escola Politécnica, contudo, a falta de dinheiro obrigou-o a abandonar a faculdade de Engenharia. Sustentava-o o emprego como escrevente na Secretaria de Guerra, obtido graças à indicação de seu padrinho, o Visconde de Ouro Preto.

Durante toda a vida enfrentou tanto o preconceito por ser mestiço quanto por ser um revoltado. Pobre desde o nascimento e por toda a vida, a solidão e a boemia levaram-no ao alcoolismo. Crises de alucinações e delírios provocaram a sua internação por duas vezes na Colônia de Alienados da Praia Vermelha. Seus sofrimentos na Colônia foram relatados de forma poética em O cemitério dos vivos.

Lima Barreto faleceu no primeiro dia do mês de novembro de 1922, vítima de ataque cardíaco, aos quarenta e um anos de idade, reconhecido mais como jornalista de vanguarda, que pela enorme contribuição literária deixada para a posteridade.

Logicamente, o emprego na Secretaria de Guerra lhe trazia entraves à livre expressão do seu pensar. “Durante os quinze ou dezesseis anos em que guardei as conveniências da minha situação burocrática, comprimi a muito custo a minha indignação e houve mesmo momentos em que ela, de certo modo, arrebentou”. Um desses arrebentar foi “Policarpo Quaresma”, sátira política pouco igualável no romance brasileiro. Outro foi Clara dos Anjos, um libelo literário contra o racismo sofrido pelos negros e mestiços.

A maior parte das crônicas, ensaios e materiais jornalísticos foram originados entre 1918 e 1922, após a aposentadoria por doença. Alguns meses antes de falecer ele organizou o material jornalístico sob o título de “Bagatelas”, publicado anos após. São escritos coloquiais e descuidados, quase familiares, fora do tom formal de seu tempo.

Sem ser panfletário, Lima Barreto esgrimia uma áspera crítica política, social e de costumes. Nenhum cronista de sua época soube como ele perceber as consequências políticas do pós Primeira Guerra Mundial e denunciou a farsa de Versailles, “que produziu um tratado de paz cujas condições e cláusulas trazem em seu bojo a próxima guerra”.

Pacifista convicto, expressava o sentido do humanismo: “o objetivo da civilização não é a guerra, mas sim, a concórdia entre os homens de diferentes raças e de diferentes partes do planeta; é o aproveitamento das aptidões de cada raça ou de cada povo, para o fim último do bem estar de todos os homens”.

De formação eclética, heterodoxa, uma mistura de positivismo com anarquismo e pitadas de um liberalismo a la Spencer, ele se auto enquadrava filosicamente como um maximalista. No artigo intitulado “No ajuste de contas”, o autor propõe uma série de medidas que a seu ver, caso implementadas, viriam resolver a maioria dos problemas brasileiros. Com coragem, Lima Barreto declara que se inspirara na Revolução Soviética para propô-las: “revolução que viera abalar não apenas tronos, mas fundamentos de nossa vilã e ávida sociedade burguesa… não posso esconder o desejo que tenho de ver um movimento semelhante aqui, de modo a acabar com a chusma… precisamos deixar de panacéias, a época é de medidas radicais.”

O jornalista Lima Barreto foi, sem dúvida, o crítico mais agudo da República Velha, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem republicana que manteve os antigos privilégios de políticos, de famílias aristocráticas e de militares. No Manifesto Maximalista ele expressa um ardente desejo de revolução social: “Cabe aos homens de coração desejar e apelar para uma violenta convulsão que destrone e dissolva de vez essa societa sceleris de políticos envolvidos com comerciantes, industriais, jornalistas ad hoc, que nos esfaimam, emboscados atrás das leis republicanas.”

Quando a greve insurrecional de 1918 eclodiu no Rio de Janeiro, assim como já havia feito com a greve de 1917 em São Paulo, solidarizou-se imediatamente com a mesma. Em Carta Aberta ao Presidente Rodrigues Alves, denuncia a violência e as calúnias policiais, amplamente difundidas pela Grande Imprensa do ponto de vista da repressão. “Se o chefe de polícia tivesse expedido uma circular a tal respeito, em papel com o timbre da polícia, a obra sairia igual a todos os artigos de nossos grandes jornais.”

Num período em que o Congresso Nacional aprovava açodadamente as leis de excessão contra os movimentos grevistas, foi do jornalista mulato a voz de mais alta denúncia. “É essa a República que desejamos?”

Foi Lima Barreto quem cunhou em nossa imprensa o termo plutocratas para os representantes de nossas elites corruptas. “O Estado atual é o ‘dinheiro’ e o ‘dinheiro’ são os plutocratas que açambarcam, que fomentam guerras, que elevam vencimentos para aumentar os impostos, de forma a drenar para seus cofres todo o suor e todo o sangue do País, em forma de preços e juros.”

Os plutocratas também eram os latifundiários e nosso escritor tinha claro, em 1920, que a reforma agrária era a condição indispensável para o livre desenvolvimento da economia nacional. Para ele era necessário antes de tudo, “dividir a propriedade agrícola, dar a terra ao homem que efetivamente nela trabalha e não ao doutor vagabundo e parasita, que vive na Casa Grande, no Rio ou em São Paulo”.

As ilusões e, após, as desilusões do major Policarpo Quaresma estavam intimamente ligadas às condições da vida rural brasileira. “Havendo tanto barro, tanta água, porque as casas não eram de tijolo e não tinham telhas?” “Pensou ser um homem … mas aquilo era uma situação de camponês da Idade Média e começo da nossa: era o famoso animal de La Bruyère que tinha voz humana articulada.”

Destoava da grande maioria dos jornalistas de seu tempo os sentimentos anti-ianques do nosso grande escritor negro. O estilo de vida que a burguesia norte-americana pretendia apresentar ao mundo como padrão ideal da sociedade capitalista, como o supra-sumo da ordem e da prosperidade, era o aspecto que mais execrava, daí os seus ataques aos “hipócritas norte-americanos”. Dizia que o “fundo do espírito americano é a brutalidade”. E denunciava com sarcasmo e sem medo aqueles colegas que se embasbacavam diante do colosso: “Nós só vemos dos Estados Unidos o verso, mas não vemos o reverso ou o avesso; e este é repugnante, vil, horroroso… Quando os americanos falam em paz e outras coisas bonitas, é porque premeditam alguma ladroagem ou opressão.” Em “O nosso ianquismo”, Lima Barreto resumiu tudo numa frase: “ no fundo, não passamos de um disfarçado protetorado”.

Pese toda a repulsa que lhe inspirava a República Velha, assim como a revolta contra a subserviência ao “ grande irmão do norte”, nosso escritor jamais se permitiu o pessimismo em relação ao desenvolvimento de nosso País. E previu o que, felizmente, após quase um século, ensaia alguma evolução:

“Não dou cincoenta anos para que todos os países da América do Sul, Central e México se coliguem a fim de acabar de vez com essa atual pressão disfarçada dos ianques sobre todos nós, e que a cada dia se torna mais e mais intolerável.”

Texto de Carlos Russo Jr


SOBRE O AUTOR 

Carlos Russo Jr. pertence à geração de 1968. Já neste ano estudava Medicina na Universidade de São Paulo. Líder estudantil a repressão obrigou-o a deixar a faculdade e atuar na clandestinidade. Foi preso político em 1970 e condenado a 14 anos de prisão; libertado por condicional exilou-se na Argentina, onde permaneceu até o golpe militar de 1976. Retornou ao Brasil semi-clandestino. Ingressou em 1979 na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo e formou-se em 1983. Pós-graduado em negócios pela FBM, atuou na área de saúde até sua aposentadoria em 2010. Desde então, dedica-se à Literatura e Filosofia, mantendo militância política na esfera de defesa dos direitos humanos.